Humberto Mainenti
... E eis que, aos primeiros minutos do dia 25 de Dezembro, como faz todo ano, Papai Noel deixou sua fábrica, no Pólo Norte, e saiu para a árdua tarefa de entregar presentes às crianças do mundo todo, em apenas uma noite. Mas este ano seria diferente; ele mal sabia o que o esperava...
O seu departamento de logística orientou que a melhor rota, este ano, seria fazer o bloco Europa / Ásia / África / Oceania primeiro, de cima pra baixo, e, depois de passar pela Antártida (vai que tenha nascido alguma criança lá!), percorrer o bloco das Américas subindo. Deste modo, ele adentrou o Brasil pelo Sul - sabe-se lá por que cargas d'água, por Foz do Iguaçu.
A chegada à "Terra brasilis" se deu ao anoitecer e, já de cara, os problemas começaram surgir. Ao sobrevoar a região da Ponte da Amizade, o trenó foi alvejado pela Guarda da Fronteira, que cismou que aquela "carruagem" entupida de pacotes era contrabando na certa! A rena Rudolph - a do nariz vermelho e luminoso - foi a primeira a ser alvejada, já que era o ponto de referência na escuridão. Papai Noel teve que ser ninja pra segurar o trenó, que se desestabilizou completamente com o peso da rena ferida e pendente, e fez um heróico pouso forçado nas águas do rio. De nada adiantou argumentar com os "otoridade", que aqueles produtos todos eram de fabricação própria e que não seriam vendidos na 25 de Março. "Tá bom! Vai querer que a gente acredite em Papai Noel também, ô vagabundo!", diziam eles. O Bom Velhinho só conseguiu seguir viagem depois de deixar uma meia dúzia de presentinhos pra cada guarda. E, mesmo assim, não escapou das manchetes do Fantástico, no Domingo: "A ousadia dos contrabandistas, na fronteira com o Paraguai, não tem limites!... Bá blá blá..."
Deu uma esticada direto até o Rio Grande do Sul, onde seu modelito de cetim vermelho, com botas pretas, imediatamente virou tendência entre a gauchada, que só trocou o gorro pelo chapelão e adicionou o lenço no pescoço. Um arrasooo!
Na região de São Joaquim e Urubici, mais um contratempo: numa das paradas, três das renas - as mais velhinhas e caducas - juravam que já tinham chegado em casa, tamanho era o frio. Foi um custo convencê-las de que tinham mais de 10 mil quilômetros de viagem ainda...
Passando por Curitiba, Noel foi alertado pelo CINDACTA 2 de que o tráfego aéreo, nesta época do ano, era muito intenso e que o controle, no Brasil, não era muito confiável. E, como Rudolph, a sua rena guia, tinha ficado em Foz, para tratar do ferimento da bala, ele resolveu que seguiria por terra enquanto estivesse em território brasileiro. Desgraça pouca é bobagem!...
Antes de adentrar o estado de São Paulo, o Velhinho resolveu cortar o Paraná de leste a oeste e já ficar livre, de uma vez, da região Centro Oeste. Péssima escolha! A travessia do Pantanal à noite custou-lhe mais três renas - justamente as velhinhas: viraram comida de jacaré... E dá-lhe mais atraso!
Passou por Brasília na manhã do dia 26 e, como a cidade estava deserta, ninguém notou sua presença (exceto a Dilma, que agradeceu ao Velhinho o "presente" que foi a retirada do Aécio da corrida presidencial; e o Arruda, que tentou convencê-lo a dar um depoimento dizendo que aquele dinheiro do Durval era pra comprar presentes para as criancinhas das cidades satélites - já que a história dos panetones, definitivamente, não havia colado).
Pé na estrada! Já que estava todo atrasado mesmo, agora foda-se! Cortou de cima a baixo o "nariz" de Minas Gerais e resolveu atender aos paulistas antes de continuar subindo. No interior de São Paulo, foi interceptado por uma manifestação do MST e só conseguiu seguir viagem depois de deixar mais uma rena - dessa vez, a mais gordinha - para alimentar os baderneiros. Seis horas e meia de engarrafamento na Castello Branco, com a paulistada voltando das casas dos parentes no interior, finalmente conseguiu chegar à Capital. Na cidade que não pára, foi recebido na FIESP com honras de grande empresário e ouviu de Eike Batista indecorosa proposta de compra da sua fábrica de brinquedos (que passaria a se chamar Fábrica do Papai NoeX). Verdade seja dita: ficou balançadão com a proposta, principalmente diante dos últimos acontecimentos. Mas, em nome da tradição, resolveu recusar. Fez o que tinha que fazer e seguiu para o Rio de Janeiro.
Chegou à Cidade Maravilhosa às vésperas do Réveillon e ficou estupefacto com os preparativos para a festa. O Governador Sérgio Cabral, espertão como sempre, deu declarações à mídia dizendo que estava trazendo o Bom Velhinho para as comemorações do Ano Novo na praia de Copacabana. Mero factóide, como sempre! Em Nilópolis, Neguinho da Beija-Flor tentou convencê-lo a ficar até o Carnaval; segundo o cantor, bastava dar um tom de pink na roupa do Velhinho e ele poderia encarnar o grande mestre do Samba que seria homenageado pela Escola: Noel Rosa. Convite absurdo recusado, viagem que segue - não sem antes perder mais uma rena, vítima de bala perdida (estão fazendo as contas? Eram 9; menos Rudolph = 8; menos as 3 do Pantanal = 5; menos a do MST = 4; menos essa = 3).
A passagem por Minas Gerais ocorreu sem maiores traumas. Papai Noel só não entendeu o por que de uma parcela significativa da população da Capital, BH, insistir para que ele mudasse a cor de sua roupa: "Queriedoooo; com esse modelito aaabsoluuuuto, de cetim; essa cutis rosadaaaa; e esse monte de veadinhos em volta; conhecido mundialmente como "Santa"; a sua roupitcha tinha que ser azul e braaaaancaaa! Se ligaaa!" "Gente estranha...", pensava o Velhinho. No interior do Estado, comprou, de um matuto, uma parelha de jumentos para ajudar a puxar o trenó, já que a situação não estava muito boa para as três renas restantes. E vambora!!!
Na Bahia, não resistiu ao calor e, de ceroulas e com uma camisa florida, comprada na Passarela do Álcool, resolveu curtir uma praia em Porto Seguro. Teve um baiano que acreditou ter visto o Hermeto Pascoal no Tôa Tôa, na tarde do feriado do Ano Novo. Mas, como o "artista" estava a umas duas mesas de distância, preferiu morrer com a dúvida do que fazer o enorme sacrifício de ir até lá verificar se era ele mesmo. "Meu Rei... Se ele tivesse um pouquinho mais perto, até ia lá pedir um autógrafo!", dizia ele a um amigo.
O restante do Nordeste foi tranquilo, apesar do calor, e, em poucos dias (isso mesmo: dias!!!), estava em Belém. Ali, uma passagem, no mínimo, inusitada: com o apoio de uma importante família de políticos do estado vizinho (uns tais de Sarney), o poder público local fazia intensa campanha na TV Liberal (afiliada da Globo) para que a Capital Paraense fosse reconhecida oficialmente como a cidade natal de Jesus. O Véio, que já tava "por aqui" com essa porra de Brasil, trepou nas tamancas: "CÊS TÃO CUMENO COCÔ, CAMBADA DE LOUCO!!!" Por pouco, a coisa não vira um incidente diplomático entre Brasil e Pólo Norte...
"Falta pouco pra eu sair dessa lama!" Era só isso que o nosso Bom Velhinho pensava quando adentrou o Estado do Amazonas. Ficou só no pensamento mesmo. Aliás, na lama foi justamente onde ele ficou por 5 dias e 6 noites, atolado na Transamazônica. Foi rebocado por uma expedição de jipeiros, que seguia rumo a Humaitá. Um perrengue danado! Deu um pulo em Porto Velho; depois, Macapá e Boa Vista. Não foi ao Acre, pois tinha ouvido o Rafinha Bastos falar que o Acre não existe. "Prefiro acreditar em Papai Noel do que nessas coisas...", pensava consigo mesmo.